A literatura medieval portuguesa, no período entre 1198 e 1434, conheceu dois grandes movimentos poéticos:
a) a floração
trovadoresca (séculos XII-XIV), de D. Sancho I até a morte de D. Dinis;
b) a floração
dos poetas palacianos (séculos XV-XVI, 1450-1516), compilada no Cancioneiro Geral de Garcia de Resende
(1516).
Nesse período
histórico, a literatura portuguesa registra também as crônicas históricas de
Fernão Lopes, o teatro de Gil Vicente, a prosa doutrinal de caráter religioso,
a prosa didática de corte e as novelas de cavalaria (Amadis de Gaula e A Demanda
do Santo Graal, por exemplo).
Segismundo
Spina, no livro Presença da Literatura
Portuguesa, vol. I, A Era Medieval
afirma:
“Como a geração
de Avis inaugura na primeira metade do século XV uma nova mentalidade política
e literária, a data da nomeação de Fernão Lopes para o cargo de cronista
oficial do Reino (1434) torna-se um marco de certa importância na vida mental
do país, com significado não apenas político (início da consolidação política
do Reino após a vitória de Aljubarrota sobre os castelhanos), como também
linguístico e literário, pois no início do século a língua portuguesa adquire
características nacionais e a prosa literária inicia a sua fixação com as
crônicas de Fernão Lopes. (...) Daí dividirmos a produção literária medieval em
duas épocas: 1) em que o instrumento linguístico é o galego-português, decorre
de fins do século XII (1198, data provável da mais antiga poesia lírica) até
1434; e a 2) a partir desta data até Sá de Miranda, em 1527, quando chega da
Itália com vasta bagagem de novidades estéticas aprendidas com os autores
renascentistas italianos e impregnado, acima de tudo, da idéia de Beleza
Absoluta”.
Data de 1198 a mais antiga
composição literária portuguesa, uma cantiga de amor escrita pelo trovador Paio
Soares de Taveirós, dirigida a Maria Pais Ribeiro (a Ribeirinha), amante de D. Sancho I:
Cantiga da Ribeirinha:
No mundo nom
me sei parelha,
mentre me for' como me vai,
ca ja moiro
por vos - e ai
mia senhor
branca e vermelha,
queredes que
vos retraia
quando vos eu
vi em saia!
Mao dia que me
levantei, que vos enton nom vi fea! "
"E, mia
senhor, des aquel di' , ai!
me foi a mim
muin mal,
e vós, filha
de don Paai
Moniz, e ben
vos semelha
d'aver eu por
vós guarvaia,
pois eu, mia
senhor, d'alfaia
nunca de vós
ouve nem ei
valia d'ua
correa".
(“No mundo
ninguém se assemelha a mim / enquanto a minha vida continuar como vai / porque
morro por ti e ai / minha senhora de pele alva e faces rosadas, / quereis que
eu vos descreva (retrate) / quanto eu vos vi sem manto (saia: roupa íntima) /
Maldito dia! me levantei / que não vos vi feia (ou seja, viu a mais bela).
E, minha senhora, desde aquele dia, ai / tudo
me foi muito mal / e vós, filha de don Pai / Moniz, e bem vos parece / de ter
eu por vós guarvaia (guarvaia: roupas luxuosas) / pois eu, minha senhora, como
mimo (ou prova de amor) de vós nunca recebi / algo, mesmo que sem valor.”)
A floração
literária portuguesa, diz Spina, deve ser compreendida “dentro de uma moldura
não só peninsular, mas principalmente latino-medieval. As forças poéticas do
hemisfério românico estão iniciando a sua individualidade literária, mas evidenciam
laços de comunidade: o movimento lírico do sul da França — a chamada poesia
provençal, ou melhor, occitânica — a floração lírica do Minnesang na Alemanha,
a dos trovadores do norte da Itália, bem como a própria vegetação poética dos
árabes na Andaluzia.”
Porém, continua
Spina, “a poesia de Entre-Douro-e-Minho (...) não nasceu sob esta inspiração,
pois as virtudes poéticas e musicais destas populações do noroeste da Península
Ibérica são de uma ancianidade anterior a todos esses movimentos poéticos da
época do feudalismo” (...) A penetração e o conhecimento da poesia
provençal nestas plagas só têm o condão de disciplinar a vocação poética dos
galego-portugueses, transmitindo-lhes a sugestão de um mecenatismo
oficial, um paradigma de vida galante propício para o florescimento da
poesia e um conjunto de normas técnicas para a elaboração poética".
Santiago de Compostela, grande centro de peregrinos que ali acorrem para visitar o túmulo do Apóstolo, é o foco de elaboração literária da poesia trovadoresca, que daí irradia para as cortes de Castela e Portugal.
Prossegue Spina:
“Do ponto de
vista estético, dissemos que a penetração da poesia cortês da França meridional
nas terras galego-portuguesas desde a juventude de D. Sancho I vem estimular e
aperfeiçoar a primitiva criação poética representada pelos chamados cantares
d’amigo, cujo tipo rudimentar, folclórico, é de estrutura coral, com versos
parelhados na forma e no conteúdo, seguidos de refrão.”
“Esta poesia,
aliada à dança, e cujo temário é representado pelas próprias sugestões
circunstanciais da natureza, denomina-se paralelística.”
“Na ordem
crescente dos valores estéticos seguem-se as cantigas d’amigo já elaboradas,
com pretensões artísticas, em que o tema adquire unidade narrativa e os
expedientes formais da poesia primitiva popular vão sendo progressivamente
abandonados.”
“Tal
aperfeiçoamento se deve ao influxo da canção d’amor, culta e de ambiente
aristocrático, que por sua vez chega a receber influências da própria poesia
tradicional.”
Enquanto as cantigas de amigo expressam a vida campesina e urbana, as cantigas de amor expressam o ambiente refinado da corte.
As cantigas de amigo, embora narradas por um eu lírico feminino, foram compostas por poetas do sexo masculino.
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